Introdução ao Evangelho de São Mateus

05Desde o II século a tradição atribui o primeiro evangelho a Mateus, o cobrador de impostos, chamado a seguir Jesus (Mt 9,9-17). Tal tradição repousa no testemunho de Pápias (ca. 135 dC), segundo o qual “Mateus ordenou os ditos em dialeto hebraico e cada um os traduziu conforme era capaz”. O atual evangelho de Mt, cujo original foi escrito em grego, seria, portanto, uma tradução livre do original aramaico. Mas a crítica não aceita uma identificação substancial entre o Mt aramaico e o Mt grego. Consequentemente, o evangelho grego de Mt não pode ser obra de um discípulo direto de Jesus (de Levi = Mateus).

A tônica didática, não biográfica e impessoal de Mt, sua teologia pós-apostólica e sua dependência de Mc, são incompreensíveis numa testemunha ocular. O autor do Mt grego, além de ser versado nas Escrituras e nas tradições judaicas, é um exímio catequista e conhecedor da língua grega. Provavelmente é um judeu culto, bem familiarizado com a escola rabínica (13,52!).

Segundo a tradição (Orígenes) Mt foi escrito para fiéis oriundos do judaísmo, com o que em parte concorda a crítica: Mt teria surgido num ambiente misto de cristãos provenientes do judaísmo e do paganismo, talvez na Síria. Seu autor tenta preservar o patrimônio espiritual de Israel, mas aceita a existência de uma Igreja gentio-cristã, ciente de que a mensagem de Cristo destina-se a todos os povos (28,19).

Indícios provenientes de um exame interno, como as alusões à destruição de Jerusalém (Mt 21,41; 22,7; 27,25), sugerem uma data de composição posterior ao ano 70. A polêmica contra o judaísmo sinagogal ortodoxo de tipo farisaico supõe uma ruptura entre o cristianismo e o judaísmo oficial, como a provocada pela assembleia sinagogal de Jâmnia (85 dC), quando os cristãos foram expulsos da sinagoga. Com isso a data provável da composição de Mateus se coloca pelo ano 90 dC.

Quanto à vida e atividade de Jesus, Mt adota o esquema geográfico de Mc, no qual insere muito material novo. Reelabora os materiais recebidos de Mc, encurtando narrativas, eliminando episódios anedóticos e corrigindo o estilo nos discursos e ditos de Jesus. Desencarna assim as narrativas do contexto original em vista da mensagem e procura ressaltar o sentido teológico de cada episódio, especialmente dos milagres, pondo em destaque a figura de Jesus.

Melhor do que outros evangelistas, Mt conservou o sabor palestino, tanto no uso de fórmulas tradicionais da linguagem de Israel (“reino dos céus”, “terra de Israel”, “casa de Jacó”, “Cidade Santa, “ligar e desligar” etc.), como no acento original dos ditos de Jesus e no recurso a paralelismos e inclusões. Típico é também seu gosto por agrupamentos numéricos em torno dos números dois, três e sobretudo sete: sete pedidos do Pai-nosso, sete bem-aventuranças, sete parábolas, sete ais, três grupos de duas vezes sete nomes para a genealogia.

Pouco interessado nas narrativas, Mt é insuperável nos discursos. Organiza o ensino de Jesus em cinco grandes discursos, delimitados pela fórmula “ao terminar Jesus estas palavras” (Mt 7,28; 11,1; 13,53; 19,1; 26,1). Neles apresenta, sucessivamente, a nova justiça do Reino (5–7), os missionários do Reino (10), os mistérios do Reino (13), as relações entre os filhos do Reino (18), a ruína de Jerusalém e a consumação do Reino (24–25).

Junto com as respectivas secções narrativas precedentes, os discursos formam cinco livrinhos: 1º livrinho: 3–4; 5–7; 2º livrinho: 8,1–11,1; 3º livrinho: 11,2–13,53; 4º livrinho 13,54–19,1; 5º livrinho: 19,2–26,2. Se considerarmos a história da infância (1–2) e a narrativa da paixão, morte e ressurreição (27,3–28,20), podemos dividir o evangelho de Mt em sete grandes partes.

Mt tem uma visão cristã universalista. Com recurso contínuo às Escrituras mostra que Jesus é o Messias prometido a Israel, o Filho do Deus vivo (16,16), que salvará o seu povo dos pecados (1,21). Mas já no prólogo (1–2) deixa claro que este Jesus foi rejeitado pelos judeus para que a boa-nova fosse comunicada aos pagãos. Por isso a salvação agora só se alcança dentro da Igreja de Cristo (16, 18s; 18,17s), o verdadeiro Israel formado de judeus e pagãos (21,43).

Jesus inaugura o “reino dos céus” esperado pelos judeus, encarrega os apóstolos de anunciar a mensagem da salvação, convocando todas as nações a se tornarem discípulos do Reino. Este Reino é uma realidade em parte presente, em parte ainda futura, que atesta a intervenção salvífica de Deus na história do povo. A Igreja visível, formada pelos discípulos e liderada por Pedro (16,18s; 18,18s), deve anunciá-lo até o fim dos tempos (28,20) e pedir a sua realização plena: “Venha a nós o teu Reino” (6,10).

Fonte:
Livro – Quatro Evangelhos – Ed. Vozes

LEIA O EVANGELHO DE SÃO MATEUS

Author: Cássio Abreu

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