Desde o testemunho de Irineu de Lião (180 dC) a tradição da Igreja antiga atribuiu a autoria do 4º evangelho ao apóstolo João, filho de Zebedeu. O exame interno do evangelho, porém, não permite concluir que o apóstolo tenha redigido o texto atual. Devemos admitir, contudo, que a figura de João esteja intimamente ligada à origem e ao desenvolvimento desta obra. De fato, no apêndice (21,24) o autor de João é identificado com “o discípulo que Jesus amava”, figura mantida em misterioso anonimato ao longo do evangelho. Aparece na última ceia (13,23), ao pé da cruz (19,26), junto ao túmulo de Jesus (20,2-8), no apêndice (21) e, provavelmente, se identifica com “o outro discípulo” (1,35.40; 18,15).
As várias tentativas de identificá-lo com Lázaro, João Marcos ou com algum sacerdote de Jerusalém foram até agora infrutíferas. Ao que tudo indica “o discípulo que Jesus amava” é um personagem real e pertence aos Doze. Entre estes, o mais forte candidato a se identificar com o discípulo amado é o apóstolo João. O próprio nome João (Johanan = “Javé amou”, ou “agraciou”) parece sugerir tal identificação.
Admite-se em geral que João tenha passado por um longo e complexo processo redacional. O núcleo original se deve a uma testemunha ocular, o discípulo amado. Depois, a tradição joânica foi redigida pelo evangelista, um discípulo de João, o qual recorreu também a tradições sinóticas, sobretudo Marcos e Lucas.
O 4º evangelho foi escrito, segundo a tradição, em Éfeso. A crítica é favorável a tal localização. Foi ali também que após o ano 90 a escola joaneia fez a edição final do evangelho. Comparado aos sinóticos, o evangelho de João apresenta características bem distintas. Não adota o plano geográfico e cronológico dos primeiros três evangelistas. Parece pouco interessado no aspecto histórico da vida de Jesus, pondo em realce o seu significado para a existência cristã. Por outro lado, contém dados históricos e geográficos mais precisos que os sinóticos. Omite episódios importantes como o batismo e a transfiguração, a instituição da Ceia, a agonia, além de temas da pregação de Jesus, como o reino de Deus, o apelo à conversão e as parábolas.
Em vez da escatologia iminente há em João uma tensão presente entre carne e espírito, entre vida e morte, entre luz e trevas, entre Jesus e seus discípulos e o mundo, entre os que creem e os que não creem. Os milagres são habilmente escolhidos e entrelaçados com discursos de Jesus e reflexões do evangelista, constituindo “sinais” da ação concreta da glória do Verbo de Deus.
Após o prólogo (1,1-18), onde se apontam os temas principais, o evangelho se divide em duas grandes partes: o “livro dos sinais” (1,19–12,50) e o “livro da exaltação” (13,1–20,31) com um apêndice (21,1-25). No “livro dos sinais”, ou dos milagres e obras, Jesus manifesta de maneira velada sua glória para a multidão. A luz brilhou no mundo, mas “o mundo não a conheceu”; “veio para o que era seu, mas os seus não a receberam” (1,10s; cf. 12,37-43). O “livro da exaltação” mostra o cumprimento da “obra” de Jesus, contém ensinamentos para os discípulos e anuncia a “hora” de Jesus, a revelação plena de sua glória, com a paixão, morte e ressurreição. O apêndice (Jo 21) provavelmente não é do mesmo autor de Jo 1–20, mas do editor final. A perícope da mulher adúltera (7,53–8,11) também foi acrescentada ao evangelho só a partir do séc. IV.
O próprio evangelista indica a finalidade de sua obra: “para que creiais que Jesus é o Cristo, Filho de Deus e, crendo, tenhais a vida em seu nome” (20,31). O evangelista que “viu e creu” (19,34s; 20,8) quer confirmar a fé dos que “não viram e creram” (20,29). Dentro deste escopo principal devemos entender a polêmica do evangelista contra os discípulos de João Batista presentes em Éfeso (At 19,1-7), contra o docetismo que negava a natureza humana de Jesus (Jo 1,14; 6,51-58; 19,34) e contra o judaísmo oficial de Jerusalém.
Aos judeus de seu tempo João quer mostrar que Jesus é o Messias (5,18; 7,1s; 8,22s; 10,31-39; 19,7). João leva os leitores a tomar uma decisão entre duas possibilidades. Dum lado estão as trevas, a cegueira, o mal, o mundo, o príncipe do mundo; doutro lado está a luz significada por conceitos como ver, Espírito, água viva, pão da vida, luz do mundo, amor de Deus. Optar pelas trevas é “perecer”; optar pela luz é “ter a vida eterna” (3,16). Nesta luta a cruz ocupa um lugar central. Quando chegar a “hora” (12,23; 13,31), a sua crucifixão, Jesus triunfará sobre as trevas e entrará na glória (12,27s), passando deste mundo ao Pai. Quem crê em Jesus participa desta vitória (3,14; 8,28; 14,13).
O evangelho de João fascina o leitor moderno, pois procura penetrar nos problemas básicos da existência humana e cristã.
Fonte:
Livro – Quatro Evangelhos – Ed. Vozes